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A Reforma Tributária aprovada no Brasil representa a mudança mais estrutural no sistema de tributos sobre o consumo desde a Constituição de 1988. Para além das manchetes e discussões políticas, ela tem implicações práticas e imediatas no trabalho do contador, sobretudo na forma como se apuram tributos, se apropriam créditos e se gerencia o fluxo de caixa das empresas.

O novo modelo, baseado em um IVA dual com a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) de competência federal e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) para estados e municípios, impõe uma reengenharia contábil. Soma-se a isso o Imposto Seletivo (IS), que recai sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

O que está em jogo aqui não é apenas a substituição de siglas como PIS, Cofins, ICMS e ISS, mas a forma como as empresas estruturam seus processos contábeis, fiscais e financeiros.

Reforma Tributária: atualização de processos e rotinas contábeis

O impacto direto da reforma nas rotinas contábeis começa pela necessidade de reorganização da base cadastral. Isso inclui:

  • Revisão da classificação fiscal dos produtos (NCM) e serviços.
  • Ajuste de naturezas de operação, CFOPs e parametrizações no ERP.
  • Separação dos campos e registros para CBS, IBS e IS nas notas fiscais eletrônicas (NF-e/NFS-e).

Mas o ponto central não está apenas nos sistemas, e sim na estrutura da apuração. CBS e IBS deverão ser apurados de forma segregada e independente, sem compensação cruzada entre os tributos, o que exige controle rigoroso por tipo de imposto, por unidade federativa e por atividade.

A nova lógica também impõe um olhar mais apurado sobre governança documental. A apropriação de crédito, agora mais ampla, inclusive sobre despesas com bens e serviços utilizados nas atividades da empresa, será condicionada à rastreabilidade e à correção dos lançamentos.

A padronização de procedimentos será reforçada com a atuação do Comitê Gestor do IBS (CG-IBS), responsável por uniformizar as regras entre os entes federativos, o que exige uma documentação contábil robusta e bem auditável desde já.

O impacto do CBS e IBS no dia a dia do contador

A adoção do IVA dual no Brasil muda profundamente a lógica operacional da contabilidade tributária. Antes, o contador lidava com sistemas fragmentados: PIS e Cofins com regras federais complexas, ICMS variando de estado para estado, ISS sujeito a normas de cada município.

Agora, com CBS e IBS, o modelo tende à simplificação legislativa, mas isso não se traduz, ao menos neste primeiro momento, em simplificação operacional.

O que se espera, na prática, é um aumento temporário na carga de trabalho dos profissionais da contabilidade, que terão que:

  • Conciliar dois tributos novos com regras de apuração distintas.
  • Realizar apurações paralelas durante o período de transição, mantendo os tributos antigos até 2029.
  • Controlar saldos de créditos separadamente, assegurando a conformidade das informações enviadas ao Fisco.

Além disso, como apontado nos relatórios do Ministério da Fazenda e no Guia do Contribuinte da Reforma Tributária, o profissional contábil terá papel estratégico na formulação de preços, revisão de contratos e projeção de impactos no capital de giro.

Mudanças nos créditos fiscais

A lógica de não cumulatividade plena é um dos pilares do novo sistema, e com ela, surgem mudanças fundamentais na gestão de créditos tributários.

Agora, a apropriação de créditos será mais ampla e mais transparente, abrangendo todas as aquisições vinculadas à atividade econômica da empresa, independentemente da destinação direta à produção ou revenda. Isso inclui, por exemplo:

  • Serviços contratados (como marketing, consultoria, logística).
  • Despesas com energia elétrica, aluguel e tecnologia.
  • Insumos indiretos utilizados na operação da empresa.

Contudo, para que esse direito ao crédito seja exercido, é imprescindível que a empresa tenha lastro documental adequado, o que reforça a importância da correta emissão e recebimento das notas fiscais, com campos específicos para CBS, IBS e IS devidamente preenchidos.

Outro ponto importante: o crédito não será imediato. A sistemática prevê o pagamento do tributo antes da apropriação do crédito, o que pode gerar pressão no capital de giro, tema que aprofundaremos mais adiante.

Saiba mais sobre CBS e IBS em: “CBS e IBS: o que são, quando começam e como afetam seu dia a dia”. 

O que muda na preparação de orçamentos e estimativas de fluxo de caixa?

A implementação da CBS e do IBS exige uma reconfiguração significativa nos modelos de previsão orçamentária e no controle do fluxo de caixa operacional. Isso porque o novo sistema introduz dois movimentos distintos, que precisam ser considerados pelas áreas contábil e financeira:

  1. A antecipação do recolhimento do tributo, mesmo antes da apropriação dos créditos;
  2. A ampliação do direito ao crédito, com base em novas premissas de não cumulatividade.

Esses dois fatores, embora complementares, provocam efeitos opostos sobre o caixa: de um lado, um desencaixe temporário maior; de outro, uma possibilidade futura de recuperação.

Vamos detalhar cada um deles a seguir.

Pagamento do tributo antes da apropriação do crédito fiscal

No modelo anterior (PIS/Cofins), o crédito muitas vezes era apropriado no momento da aquisição, compensando o débito quase que imediatamente. Já no novo sistema, a regra geral passa a ser:

  • O débito é gerado no momento da emissão da nota de venda;
  • O crédito só pode ser apropriado após o recebimento efetivo da nota de compra, desde que cumpridos os requisitos legais e documentais.

Esse novo fluxo exige atenção redobrada à gestão do tempo entre pagar e recuperar tributos, pois pode haver um hiato entre o recolhimento e a utilização dos créditos.

Na prática, esse intervalo:

  • Reduz o caixa disponível em ciclos curtos, especialmente em empresas com margens apertadas;
  • Exige uma projeção mais precisa das entradas e saídas tributárias, separadas por tipo de imposto;
  • Pode levar a uma revisão nas políticas de prazo de pagamento a fornecedores, buscando equilibrar os impactos.

Dica prática: avalie a possibilidade de criar simulações no ERP com base nas alíquotas de transição (CBS 0,9% e IBS 0,1%) para medir o impacto no caixa em 2026.

Ajustes no capital de giro e nas previsões financeiras

O novo desenho da tributação sobre consumo afeta diretamente a formação do capital de giro. Empresas que já operam com baixo colchão de liquidez devem rever urgentemente suas projeções para os anos de transição (2026–2032).

Entre os principais ajustes recomendados, destacam-se:

  • Criação de centros de custos tributários específicos para CBS e IBS, permitindo um controle mais granular das obrigações e créditos;
  • Revisão das premissas de fluxo de caixa, levando em conta a defasagem entre recolhimento e recuperação de créditos;
  • Simulações de impacto por cenário (otimista, base, pessimista), incluindo diferentes velocidades de repasse tributário nos preços.

Além disso, o contador, em parceria com o financeiro, precisará alinhar os orçamentos anuais com o cronograma de implementação da reforma, que prevê mudanças graduais nas bases e alíquotas dos tributos até 2033.

Outro fator importante é a atualização de modelos de precificação. Muitos setores devem rever sua política de markup, não apenas pela nova carga tributária, mas pela necessidade de incorporar provisões de crédito e variações de caixa na formação dos preços.

Leia agora: “Reforma tributária para o contador: cronograma, rotinas e entregáveis por fase”. 

O impacto para o contador: qual o seu papel nisso tudo?

A Reforma Tributária redefine a função do contador dentro das empresas. Mais do que um executor de obrigações acessórias, o profissional contábil passa a ser um agente de transição estratégica, com responsabilidade direta sobre a conformidade, a sustentabilidade fiscal e a viabilidade financeira da organização frente ao novo modelo.

Em um cenário de mudanças estruturais que se estendem até 2033, não haverá espaço para improviso. A atuação proativa do contador será essencial desde já, mapeando riscos, revisando processos e preparando gestores e sistemas para as novas exigências.

O que o contador precisa fazer ainda em 2025?

O ano de 2025 será decisivo para a preparação estrutural da contabilidade frente ao novo modelo tributário. Algumas ações são inadiáveis:

  • Mapeamento tributário completo da operação: identificar quais produtos e serviços estão sujeitos à CBS, IBS e IS.
  • Revisão e reclassificação de cadastros fiscais, especialmente NCM, CFOP, CNAE e códigos de serviço, garantindo que o ERP esteja preparado para absorver as alíquotas do ano-teste.
  • Adequação de sistemas e documentos fiscais eletrônicos (NF-e, NFS-e), com campos separados para CBS, IBS e IS.
  • Implantação de simulações paralelas, testando o impacto da nova tributação com as alíquotas simbólicas (CBS: 0,9%, IBS: 0,1%).
  • Treinamento das equipes contábil, fiscal e financeira, para alinhar processos e atualizar rotinas conforme as regras da não cumulatividade plena.
  • Criação de relatórios gerenciais por tributo e por ente federativo, já antecipando os KPIs que serão exigidos para tomada de decisão e conformidade regulatória.

Dica: Se a empresa ainda não possui um sistema robusto de conciliação tributária, este é o momento de investir, a separação clara dos tributos será inegociável a partir de 2026.

O que o contador deve fazer em cada fase do cronograma tributário até 2033

A seguir, detalhamos o cronograma oficial de implementação da reforma tributária, com foco nas responsabilidades contábeis em cada etapa:

2026: ano-teste

  • Entrada em vigor simbólica da CBS e IBS com alíquotas reduzidas.
  • Apuração paralela com os tributos atuais (PIS/Cofins, ICMS, ISS).
  • Objetivo: testar sistemas, conciliações, parametrizações e simulações de impacto no caixa.
  • Compensação do valor pago em CBS e IBS com PIS/Cofins no mesmo período, neutralizando o efeito financeiro.

O contador deverá garantir a dupla apuração sem inconsistências, treinando as equipes e preparando dashboards de comparação entre os modelos.

2027 e 2028: cobrança do CBS e extinção do PIS/Cofins

  • A partir de 2027, a CBS substitui oficialmente PIS e Cofins.
  • As alíquotas deixam de ser simbólicas e passam a gerar impacto direto no caixa e nos preços.
  • Contadores devem:
    • Recalcular custo fiscal por produto e serviço.
    • Ajustar precificação e margens de lucro.
    • Acompanhar eventuais alterações nos créditos permitidos.
    • Implementar monitoramento constante de obrigações acessórias e recolhimento.

2029 a 2032: transição do ICMS e do ISS para o IBS

  • Período de transição escalonada:
    • Redução progressiva da carga de ICMS e ISS.
    • Aumento proporcional da alíquota do IBS.
  • A principal responsabilidade do contador será garantir:
    • Segregação de apuração entre o modelo antigo e o novo.
    • Conciliação de documentos fiscais, considerando dois modelos operando em paralelo.
    • Adequação de relatórios contábeis e fiscais por estado e município, com base no modelo de distribuição via Comitê Gestor do IBS.

Este período exigirá forte integração entre contabilidade, fiscal e TI. A complexidade operacional aumentará temporariamente antes de se estabilizar.

2033: vigência integral do novo modelo tributário

  • A partir de janeiro de 2033, entram em vigor exclusivamente:
    • CBS (federal)
    • IBS (estadual e municipal)
    • IS (tributação seletiva)
  • Todos os tributos antigos (PIS, Cofins, ICMS, ISS, IPI) são extintos.
  • Espera-se uma maior simplificação das obrigações acessórias, mas o contador continuará exercendo um papel crítico na manutenção da conformidade, análise tributária e otimização de processos fiscais.
Foto de Hellen Mota
Hellen Mota
Hellen Mota é jornalista e redatora. Escreve de forma simples e acessível, ajudando empreendedores a conquistar mais autonomia e segurança.

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